Crítica: As aventuras de Pi

As Aventuras de Pi, inspirado no livro de sucesso de Yann Martel, A Vida de PI (por sua vez "adaptado" do livro do brasileiro Moacyr Scilar, Max e os felinos), conta a história de Pi Patel (Suraj Sharma jovem e Irrfan Kahn adulto), filho do dono de um zoológico localizado em Pondicherry, na Índia. Após anos cuidando do negócio, a família decide vender o empreendimento devido à retirada do incentivo dado pela prefeitura local. A ideia é se mudar para o Canadá, onde poderiam vender os animais para reiniciar a vida. Entretanto, o cargueiro onde todos viajam acaba naufragando devido a uma terrível tempestade. Pi consegue sobreviver em um bote salva-vidas, mas precisa dividir o pouco espaço disponível com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala.

O título dado ao filme em português foi infeliz. Nomear o longa como "aventuras" nos associa aos famosos filmes de ação e entretenimento no estilo Indiana Jones, mas o propósito deste filme não tem nada disso. O título original em inglês Life of Pi é muito mais apropriado. O que acompanhamos na odisseia de Pi não deixa de ser uma aventura, mas o filme carrega uma carga de complexidade muito maior. Apesar de cerca de 70% do filme ser em alto mar, ficamos sabendo da história de vida de Piscine Patel desde criança, os problemas com seu nome peculiar, sua infância, suas religiões e convicções, seu relacionamento com seus familiares, etc. Durante algumas cenas, Pi conta sua história em um banco de praça, lembrando muito outra maravilha da sétima arte Forrest Gump, o contador de histórias. Não se deixe abater pelos primeiros 20 minutos onde essas histórias são contadas em um ritmo lento. É a partir do naufrágio que o filme começa de verdade.

 
O filme também tem seu foco fortemente voltado para religião. Pi acredita em três religiões, mas procura não se aprofundar em nenhuma delas nem compará-las, afinal "A fé é uma casa de muitos quartos". Algumas pessoas não gostam do envolvimento destes temas polêmicos para não marcar determinadas obras para um público específico, mas esta opção permitiu que várias frases de efeito, metáforas e mensagens para reflexão aprofundassem ainda mais o enredo. Essa decisão pode fazer com que algumas pessoas não gostem do resultado final quanto história, mas o filme foi feito cuidadosamente para tentar agradar a pessoas dos mais diferentes credos, inclusive os ateus. 

Acho muito difícil As aventuras de Pi passar em branco nas premiações de 2013, principalmente nos quesitos técnicos. O tigre Richard Parker foi completamente criado digitalmente utilizando CGI. Um tigre de verdade foi usado apenas em sequências onde aparecia sozinho, e você não consegue perceber a diferença do real e do digital. Só pra ter uma noção, em nenhuma cena o ator Suraj Sharma "contracenou" com o tigre real. Se não ganhar em efeitos visuais, outra grande probabilidade é na linda fotografia. Pra quem acha que só vai ver imagens de um barco em mar aberto, se prepare para grandes surpresas.

Para os que criticaram alegando uma história fraca, recomendo não só a estas pessoas, mas a todos assistirem o filme mais de uma vez. Não é o "filme da vida", mas é um espetáculo visual de uma beleza quase insuperável. Mas o filme não é só bonito de se ver. Seja nos simbolismos e metáforas, na sua parte final que dá margem a diversas interpretações, na luta pela sobrevivência e convivência,  o diretor Ang Lee novamente nos entrega um longa altamente complexo, carregado de dramas e sentimentos envolvendo não apenas a natureza humana e a relação entre um homem e um animal, mas sobre relacionamentos de um modo geral e princípios como respeito, amizade, companheirismo e o poder da fé.

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