Crítica: Os Últimos Cangaceiros

OS-ULTIMOS-CANGACEIROSVirgulino Ferreira da Silva (Lampião), sua companheira Maria Bonita e seu bando são parte da História do Brasil, sobretudo do Sertão nordestino. Polêmicos, são classificados por alguns estudiosos como um caso de banditismo social, algo equivalente a um Robin Hood brasileiro, embora muitos outros afirmem que as maldades e atrocidades do bando não se aplicavam somente aos mais ricos, como prefeitos e coronéis, mas também a fazendeiros e habitantes simples. Outros, porém, consideram Lampião e bando como justiceiros e até mesmo heróis, que ajudavam o povo sofrido do sertão.

O fato é que o cangaço se tornou quase um fenômeno social, no qual homens e mulheres eram atraídos, seja pela coragem do bando, pela sensação de liberdade ou proteção, ou mesmo pela aparência ou ilusão de riqueza de seus integrantes, e se juntavam aos bandos. Muitos também passaram a ganhar a vida como Volantes, equipes de "policiais" formadas exclusivamente para matar os cangaceiros, e que, com o fim do cangaço, perderam o emprego. Heróis ou vilões, o fato é que são típicos representantes da cultura do País, retratados em livros, cordéis, espetáculos de teatro, filmes e minisséries. E, quando se achava que já não se tinha mais tanta história pra contar, eis que ainda nos foram reservadas algumas surpresas.

José Antonio Souto e Maria Jovina da Conceição são um casal de velhinhos que moram no interior de Minas Gerais, levando uma vida simples e reclusa com sua família. Seria um casal típico do interior, se não fosse um pequeno detalhe: um buraco na perna de D. Jovina. A curiosidade sem fim de sua filha, somados à ciência de que o casal já estava nos seus últimos anos de vida (na época, ele com 96 anos e ela com 90) e à comprovação de que seus crimes já estavam prescritos, acaba provocando uma confissão: eram nomes falsos.

Um segredo guardado por 70 anos, inclusive para os filhos. Na verdade, eles se chamam Antonio Ignácio da Silva e Durvalina Gomes de Sá, mais conhecidos por Moreno e Durvinha, que fizeram parte do bando de Lampião durante a década de 1930. Após a morte de Lampião, em 1938, Moreno foi um dos nomes mais importantes (e temidos) do cangaço, mas resolveu seguir outros rumos com a morte de Corisco e Dadá em 1940. Ao lado de Durvinha, percorreram a pé 1.350 Km em 90 dias, de Tacaratu, em Pernambuco até Augusto de Lima, em Minas Gerais.  



Essa história chegou até o pesquisador baiano  João de Souza Lima, que escreveu o livro "Moreno e Durvinha: sangue, amor e fúria no cangaço". Nessa época, o diretor Wolney Olivera estava fazendo uma pesquisa para as filmagens de seu novo documentário, até então com o título de "Lampião o Governador do Sertão". Quando descobriu o simpático casal de velhinhos, e após conseguir autorização destes e de seus filhos para gravar os depoimentos,  a equipe abandonou o projeto inicial sobre o "rei do Cangaço" para falar sobre uns de seus últimos súditos. Não poderia ter tido mais sábia decisão. 

O filme narra a história de vida do cangaço do casal, desde os motivos para a entrada no bando, como era a vida ao lado de Lampião, algumas curiosidades sobre os membros, seus costumes, suas roupas, chapéus de couro acessórios no melhor estilo ostentação anos 30, a paixão de Durvinha por outro cangaceiro, Virgínio, e como Moreno e Durvinha se aproximaram após a morte de Virgínio, sua trajetória de fuga e como se adaptaram a uma vida comum. Entre os trechos abordados no documentário, destaque para o fato de Moreno voltar à Pernambuco após a repercussão da revelação, e ser recepcionado por políticos e autoridades locais como um herói, promovendo um encontro inclusive com um antigo membro da Volante. Outra parte interessante é a busca de uma suas filhas por um irmão abandonado nos tempos de cangaço, deixado aos cuidados de um padre. Durvinha morreu no dia 28 de junho de 2008, aos 92 anos, e Moreno faleceu no dia 6 de setembro de 2010, aos 100 anos. 

As entrevistas com Moreno e Durvinha são intercalados com imagens de arquivo, reportagens, depoimentos dos filhos, parentes, amigos e outros personagens que fizeram parte de sua história e da História do Brasil, e também trechos de filmes como O Cangaceiro (1951), Memória do Cangaço (1964), Corisco e Dadá (1966), A Mulher no Cangaço (1974) e Baile Perfumado (1997). Uma montagem tão rica que, em vários momentos, fica difícil saber em que momentos são imagens reais e quando são trechos de filmes. Isso porque o filme traz novamente à tona um dos registros mais importantes da época: o acervo do fotógrafo libanês Benjamim Abrahão, o único que teve autorização para filmar Lampião e seu bando, durante 6 meses, em 1936. 

As filmagens começaram em 2006 e a equipe percorreu os estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco, Sergipe, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, ao longo de 3 anos. O filme foi concluído em 2011, já participou de mais de cinqüenta festivais no Brasil e exterior, e somente agora em 2015 consegue ser lançado em circuito comercial nos cinemas. Prova de que é necessário que a ANCINE e demais órgãos de fomento e incentivo à cultura precisam dar mais valor para os documentários de curta e longa metragem nacionais.

Os Últimos Cangaceiros é um documentário de suma importância para a cultura e História, não apenas do Nordeste, mas do Brasil. Para ser exibido em colégios e faculdades como exemplo da nossa memória. Além de contar uma história muito interessante, de forma imparcial, faz uma montagem simples, leve, sincera, com início, meio e fim bem definidos. Um filme que não ameniza nem ataca seus personagens reais, atendo-se ao fato de contar suas histórias. Se são heróis ou vilões, deixa para que o público tome suas posições e conclusões. Aliás, alguns trechos do filme abordam, além do aspecto social, o lado político e religioso do cangaço, e mostram que alguns problemas éticos do Brasil permanecem vivos até hoje, só são realizados de maneira diferente...

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