Crítica: Real Beleza

João (Vladimir Brichta) é um fotógrafo decadente, procurando uma nova modelo para relançar a sua carreira. Ele parte para o sul do Brasil, onde fotografa dezenas de adolescentes, até se encantar com a beleza de Maria (Vitória Strada), que deseja transformar em modelo internacional. Mas Pedro (Francisco Cuoco), o pai da garota, se opõe à carreira profissional da filha. Durante uma viagem de Pedro, João tem um caso amoroso com Anita (Adriana Esteves), mãe de Maria.

É um bom filme, embora eu seja um pouco suspeito em dar minha opinião porque é um estilo de filme que me agrada, misturando diversas formas de arte no mesmo contexto. No caso, fotografia, poesia e cinema. Embora os créditos iniciais usem algumas características da fotografia, como por exemplo inserir os nomes na tela usando regras de composição como a espiral dourada* e o protagonista passar uma boa parte do filme tirando fotos, não espere que o filme te dê aulas ou dicas de fotografia. O contexto é mais complexo, introspectivo, abordando dilemas pessoais e profissionais de um fotógrafo. É mais um exemplar de filmes subjetivos que estão felizmente invadindo o cinema nacional (ou, pelo menos, ganhando um pouco mais de destaque). 

O filme tem uma história interessante, uma bela fotografia (usando locações de uma linda serra gaúcha) e boas atuações de Vladimir Brichta, Adriana Esteves e Francisco Cuoco. A estreante Vitória Strada também não faz feio. É produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, criada em 1987 por um grupo de cineastas gaúchos. O diretor Jorge Furtado ("Houve uma vez dois verões", "O homem que copiava", "Meu tio matou um cara" e "Saneamento básico") é um dos fundadores da produtora. Essa influência gaúcha aparece não apenas na locações, mas sobretudo no início do filme, onde algumas dezenas de municípios do Estado são citados durante as sessões de fotos.

Nem tudo no filme me agradou, ou pelo menos foi compreensível para mim assistindo apenas uma vez. Achei meio estranho e sem noção o personagem Bruno (Samuel Reginato), e em alguns momentos senti que o filme mudava um pouco o foco. Algumas cenas são muito boas, enquanto outras são rápidas, artificiais ou um pouco forçadas. Mas felizmente não são suficientes para estragar a experiência do filme. É como se existisse o filme romântico e o filme papo-cabeça em uma só obra.

A partir do momento em que surge Francisco Cuoco, dando um show de interpretação, o filme ganha muito em qualidade. É aqui que realmente entra toda a questão da complexidade que envolve a real beleza, que começa a discussão filosófica sobre o que cada um considera ser belo, sobre a beleza do corpo em confronto com a beleza da alma. E aborda não apenas a beleza das pessoas, mas a beleza da arte erudita em geral: música, poesia, fotografia. Os diálogos entre João e Pedro não são apenas pretextos para citar Guimarães Rosa ou Fernando Pessoa, mas para exprimir ótimos questionamentos sobre gostos, sobre diferentes pontos de vistas ao contemplar quadros, fotos e livros, sobre a importância e relevância da cultura em suas vidas. Mais ainda, aborda a beleza acima das características físicas, envolvendo também os sentimentos. O que você vai deixar de belo nesse mundo?



*Assim como a Regra dos Terços, a Espiral Dourada serve de orientação para a composição de fotografias. Baseando-se na Sequência de Fibonacci (0,1,1,2,3,5,8,13,21,…), as imagens que se formam seguindo a linha da espiral em meio a sequência de retângulos tendem a ser mais agradáveis aos olhos (Rodrigo Tomazela).

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