Vou começar sendo bem sincero. Até pouco tempo atrás, a única coisa que eu sabia sobre o nome "Godard" era a sua citação na música "Eduardo e Mônica", de Legião Urbana. Mesmo gostando muito de cinema, nunca me interessei ou tive a oportunidade de assistir seus filmes. E, fazendo uma pesquisa rápida sobre sua obra, tenho até uma certa vergonha de dizer isso. Por isto é curioso relatar que o primeiro "filme do Godard" que eu vi na vida não foi um filme do diretor, mas um filme SOBRE o diretor.
O diretor Michel Hazanavicius (vencedor do Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor por "O Artista") apresenta mais um trabalho muito interessante. "O Formidável" retrata parte da trajetória de um dos mais influentes e polêmicos cineastas de todos os tempos, Jean-Luc Godard, com foco em sua história de amor com sua segunda esposa, Anne Wyazemsky. O roteiro foi adaptado da autobiografia de Anne, "Un An Après", um livro de memórias no qual ela relata o seu relacionamento amoroso com Godard por quase 12 anos, durante uma das fases mais complicadas da vida do cineasta.
Neste filme francês que foi selecionado para o festival de Cannes em 2017, Jean-Luc Godard é interpretado por Louis Garrel (por acaso filho de um cineasta - Philippe Garrel), e Anne é vivida pela lindinha Stacy Martin (conhecida pelos 2 filmes "Ninfomaníaca" de Lars Von Trier e também atuou no filme que eu adoro citar o título: "Uma dama de óculos escuros com uma arma no carro"). Os dois atores estão perfeitos no papel.
Os dois se conheceram quando ela ainda era menor de idade, mas foi apenas em 1967, nas filmagens de "A Chinesa", que o caso começou. A fraca recepção e críticas a "A Chinesa" deu início a uma fase conturbada na carreira do diretor, o que influenciou diretamente em sua vida particular. O casal permaneceu junto até 1979, mas o longa vai retratar principalmente o final dos anos 1960, em especial ao movimento estudantil de maio de 1968, mostrando como o relacionamento e o ambiente social, político e econômico da época influenciou suas obras e seu comportamento neste período. Foi nesse momento que ele adotou um discurso mais radical e entrou na chamada "fase revolucionária".
Godard foi considerado um dos maiores cineastas já existentes, criativo e revolucionário, trazendo novos cortes de câmera, planos-sequência e inovações na montagem de seus longas, uma fase conhecida como Nouvelle Vague. Após vários sucessos como "Acossado", "Alphaville" e "O demônio das 11 horas", se envolveu diretamente com a revolução, passou por uma fase de críticas e negação, chegando a rejeitar toda a sua obra anterior, e fundou o grupo de cinema Dziga Vertov, voltado para o cinema político. Com quase 90 anos, Godard ainda está na ativa, e já foi responsável por dirigir mais de 120 curtas e longas, além de ser editor, produtor, roteirista e também atuar em vários de seus filmes.
"O formidável" se encerra em 1968, antes da sua segunda fase de transição (segunda Nouvelle Vague) e sua nova preferência por filmes polêmicos, sobretudo envolvendo questões religiosas. Portanto, não esperem este longa como um filme puramente biográfico ou que somente este filme seja suficiente para conhecer melhor a vida e obra do diretor. Até porque esta história é contada sob o ponto de vista de sua esposa, obviamente com alguma romantização e dramatização. Esta fase, sobretudo o final do filme, mostra um diretor beirando o insuportável, que se distanciou de seus amigos e colegas de trabalho em nome de um ideal de revolução.
É um filme quase caricatural, divertido em alguns momentos, provocador em outros, cheio de referências e citações às demais obras do diretor, e, fundamentalmente crítico e metafórico. Em vários momentos os atores quebram a quarta parede (para quem não está familiarizado com o tema, é quando os atores olham direto para a câmera e conversam com o público. para o pessoal mais novo, é o que Deadpool faz quase o tempo todo), sendo estes momentos, ao lado dos comentários metafóricos, que deixam o filme muito interessante. São críticas veladas ou diretas aos atores, cineastas, festivais, entre outros aspectos relacionados à sétima arte. É um conceito já abordado em outros filmes, mas para quem aprecia o gênero, sempre é bom assistir filmes de cinema falando sobre cinema. Destaques para as falas dos atores que criticam a forma como os atores falam tudo que está no texto e o momento sobre as reflexões sobre a obsessão de alguns diretores sobre a nudez em cena e qual a opinião dos atores sobre isso.
Trata-se de um bom filme, principalmente para os interessados por cinema de arte e que gostam desse estilo metafórico e crítico sobre cinema. Agora, se me dão licença, preciso apagar essa mancha no meu currículo cinematográfico e vou ali ver um filme do Godard.
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