Crítica: invisível

Ely é uma adolescente argentina de 17 anos, que vive uma vida comum. Mora com a mãe, estuda e trabalha em um Pet Shop. Mas nenhuma vida é "normal". Ao se voltar o foco com um pouco mais de profundidade sobre qualquer pessoa, veremos que todos passam por conflitos, dificuldades, situações e provas - que podem ser momentâneas ou permanentes. No caso de Ely, vemos que ela precisa trabalhar para ter uma renda extra, já que sua mãe está enfrentando um sério problema de depressão e não consegue mais sair de casa para trabalhar. Na escola, ela está terminando o ensino médio mas não se interessa por nenhuma matéria em particular. E no seu trabalho, ela mantém um relacionamento sexual com o seu superior (que é filho do dono do estabelecimento). Ele é mais velho, casado, com uma filha, e ambos estão satisfeitos com os papéis de amantes sem compromisso.


E assim Ely vai levando a sua rotina no modo automático, vendo a vida passar em sua zona de conforto, sem perspectiva alguma de mudança, e carregando o peso da responsabilidade de cuidar da mãe e conciliar trabalho, estudo e sua vida de adolescente. Mas, de repente, acontece algo que não estava em seus planos: Ely engravida. E, a partir de então, o filme caminha por algumas abordagens diferentes: o impacto desta mudança em Ely fisicamente e psicologicamente, a triste e melancólica sensação de solidão, e a decisão ou não de realizar um aborto.

Seus medos, angústias e problemas parecem ser invisíveis aos outros, à família, professores, pessoas próximas, e à sociedade. Ely não comenta sobre sua nova situação de forma explícita com todos, mas em vários momentos suas atitudes parecem implorar por algum tipo de atenção ou socorro. Mas do jeito que ela vivia a sua vida, as pessoas à sua volta também preferem apenas continuar com seu próprio caminho. Poucas conversas, pouca interação, pouca troca de experiências, muito silêncio. Uma sociedade cheia de compromissos e responsabilidades, em que todos estão preocupados em sobreviver, e nesta vida intensa, louca e atribulada não há tempo para se envolver com os problemas do próximo, pois todos estão imersos em seus próprios problemas. Nós existimos e contribuímos para o sistema, o Estado e a sociedade, mas somos invisíveis para elas.



A doença de sua mãe a faz com que ela mal converse com sua filha. Seu amante deixou claro que não quer assumir nenhuma responsabilidade pela criança. Sua única amiga tem a mesma idade e também não tem maturidade suficiente para lhe dar os melhores conselhos. A adolescente vê a probabilidade de sua vida mudar e percebe que não tem ninguém para lhe ajudar ou que pode lhe apoiar, e sua primeira decisão é de praticar um aborto. E enquanto Ely pesquisa sobre métodos abortivos, clínicas clandestinas e outras formas de interromper a gravidez em um país aonde a prática do aborto é ilegal, o filme provoca o questionamento: Qual a melhor opção para Ely? O que Ely realmente deseja, abortar o quanto antes e continuar seguindo a vida como se nada tivesse acontecido, ou ter a criança e assumir esta nova etapa de sua vida, mesmo que sozinha?

O diretor Pablo Giorgelli criou um longa de ritmo lento, com cenas demoradas na rotina da protagonista Mora Arenillas, de modo que a gente consiga captar o seu estilo de vida. O que poderia ser um filme meloso, dramático ou mesmo que levantasse alguma bandeira pró ou contra aborto, prefere se manter apenas objetivo e centrado na vida particular de Ely. Não temos opiniões, conselhos ou discursos de outras pessoas. As características introspectivas de Ely também contribuem para que o longa se mantenha em uma temperatura baixa. Nota-se claramente que os conflitos dela são internos. Ely quase não chora. Mesmo com todas as dificuldades, dúvidas e complicações, ela tenta se manter externamente fria. Mas uma ceninha aqui e outra ali vão mostrando a Ely que a vida não tem apenas um lado negativo.

Invisível (Invisible) teve sua estreia mundial na mostra competitiva Orizzonti, do 74º Festival de Veneza, e também foi exibido no Festival Internacional de Cinema do Rio. O filme é uma coprodução entre Brasil, Argentina, Uruguai, Alemanha e França. Classificação: 16 anos


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