Crítica: Lucky

Mais que um filme, Lucky é praticamente uma homenagem ou um tributo ao ator Harry Dean Stanton ("Twin Peaks", "Alien", "Paris, Texas"). Aqui vida e arte se misturam, já que o filme se trata de um homem de 91 anos que toma consciência que não viverá mais por muito tempo e começa a refletir sobre sua vida e enxergar o mundo de outra forma. Dirigido por John Carroll Lynch, trata-se de um dos últimos trabalhos de Stanton, que morreu pouco tempo depois do término das filmagens, em setembro de 2017, aos 91 anos (duas semanas antes da estreia deste longa).

Stanton é Lucky, um cowboy (o ator fez vários filmes de faroeste), ex-combatente da marinha que vive uma rotina simples em uma cidadezinha no meio do deserto. Lucky nunca se casou, não tem filhos, mora sozinho, nem pensa em ter uma cuidadora, e tem uma rotina tranquila, repetitiva, quase mecânica: acorda, faz exercícios de yoga, toma um copo de leite, vai a uma cafeteria, xinga o dono, toma café, faz palavras cruzadas, compra mais leite, assiste programas de televisão, e vai ao bar ao final do dia. Isso tudo intercalando com vários cigarros, conversas e provocações. Como Lucky gosta de dizer: uma vida sozinha, mas não solitária.

Mas essa rotina é interrompida quando Lucky sofre uma queda. E, após insistir que o médico lhe diga um diagnóstico, este é claro: Lucky já está com 90 anos. Ele tem sorte de ainda estar vivo. E deveria aproveitar e viver os dias que ainda tem. No início, o sentimento de negação. Depois a repulsa da ideia. E, aos poucos, a aceitação da realidade (e do realismo, a palavra do dia de seu dicionário).



O filme vai dialogando sobre vida e morte durante vários momentos, personagens e situações. A vida de um cágado, o tempo de um cacto gigante, uma conversa com um advogado sobre seguro de vida, outra conversa com um fuzileiro naval sobre as mortes da guerra, um papo melancólico com seu melhor amigo no bar (que, por acaso é o diretor David Lynch, amigo pessoal do ator) ...

O filme é lento, pacato, como a rotina daquele local entre cactos e montanhas. A vida passa lentamente, mas um dia, cedo ou tarde, ela termina. E, estando preparado ou não, tendo medo da hora da morte chegar ou não, o que nos resta é encarar e aproveitar cada novo momento em nossa vida. Um novo dia, uma nova chance. De mudar, de consertar, de melhorar.



É um filme lento, mas intimista, profundo. É uma jornada existencial, daqueles em que qualquer conversa pode lhe passar uma lição de vida. Alguns poderão achá-lo morno ou parado, mas é sobretudo um filme de essência. Vários fatos do filme (como a que Lucky conta seu trauma de infância) são verídicos da vida de Harry Dean Stanton. É quase como uma mistura de filme, documentário e reality show de sua vida. Portanto, não teria como atuação e suas reflexões não passarem uma verdade, uma sinceridade, um ensinamento, uma reflexão.

Fecho com um spoiler (peço desculpas por qualquer inconveniente), mas não posso deixar de citar o ponto-chave e que a melhor mensagem do filme não é dita, mas sim apenas expressada. O momento final, com uma belíssima quebra da quarta parede, não apenas simboliza o final do filme, mas uma despedida do ator. Lucky, ateu convicto, sem família e veterano de guerra desiludido, ao final de tudo percebe que a melhor maneira de enfrentar a morte é, simplesmente, sorrir...

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